Em Belo Horizonte – Familiares de PMs denunciam armação para livrar oficiais no caso do Aglomerado da Serra.

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Em Belo Horizonte – Familiares de PMs denunciam armação para livrar oficiais no caso do Aglomerado da Serra.

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Advogado e parentes de PMs acusados da execução de dois inocentes no maior conjunto de favelas de BH afirmam que há um circo armado na apuração para encobrir oficiais.

Passados cerca de 50 dias da execução de dois inocentes no Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, por militares do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam), segundo as investigações, parentes de dois policiais acusados – que não participaram diretamente do crime – denunciam um circo armado para a punição dos praças e resguardo da imagem de oficiais. Um deles é o tenente-coronel Newton Antônio Lisboa, comandante do Rotam, que, de acordo com os denunciantes, esteve no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS) poucas horas depois dos assassinatos. Lisboa teria sido avisado das mortes e foi fardado, ainda de madrugada, ao hospital, onde estavam as vítimas, inclusive o soldado Jonas Rosa, que alegava ter sido atingido por um tiro amortecido pelo colete à prova de balas.
Na ocasião, segundo os parentes dos indiciados, o comandante ordenou que o sargento Giando Gomes de Lemos ficasse encarregado de redigir o boletim de ocorrência, entregue à Delegacia de Homicídios, e nomeou o tenente Clayton Santana porta-voz do batalhão para relatar à imprensa a versão dos militares acusados da execução. Esses familiares são a comerciante Ana Zuccheratte, de 29 anos, e a dona de casa Nayara Cortes de Lemos, de 26, respectivamente, irmã do soldado Adelmo Zuccheratte e mulher do sargento Lemos. Elas afirmam que, além dos dois militares envolvidos diretamente no crime, os soldados Jonas e Jason Paschoalino, três outros que não participaram da ação direta, o soldado Adelmo Zuccheratte, o sargento Lemos e o tenente Clayton Santana, respondem ao procedimento administrativo disciplinar (PAD), passo quase certeiro para expulsão da Polícia Militar.

O questionamento das duas é a presença do tenente-coronel Lisboa no HPS na madrugada do crime, o que não consta do inquérito policial militar (IPM). “Se ele esteve presente e ordenou que a versão apresentada pelos militares da ação fosse a que seria observada, inclusive com declarações à imprensa e preenchimento do boletim de ocorrência, como poderiam os subordinados desobedecerem? Além disso, os três chegaram depois das mortes consumadas dos moradores e acreditaram na versão dos companheiros, pois a cena estava montada”, diz Nayara, apoiada por Ana.

O Estado de Minas obteve com exclusividade parte do IPM, com fotos da cena do crime, que mostram os corpos do técnico em enfermagem Renilson Veriano da Silva, de 39, e do sobrinho dele, o dançarino e auxiliar de padeiro Jefferson Coelho da Silva, de 17. Nelas, os dois estão baleados, aparentemente mortos, com fardas e revólveres ao lado dos corpos. Numa das fotos, um PM aparece de luvas cirúrgicas, numa demonstração de que mexeu ou mexeria na cena do crime.

Domingos Sávio Mendonça é o advogado de Zuccheratte, Lemos e Clayton Santana. Reformado como tenente-coronel da PM, Mendonça também foi por duas vezes presidente do Clube dos Oficiais da corporação. Ele diz que acredita piamente na versão de seus clientes e denuncia que o IPM foi feito sob medida para proteger oficiais de alta patente e jogar os restantes “para as cobras”. “A PM, quando quer manipular os fatos, sabe quem escolhe”, denuncia. Ele acrescenta o que considera duas falhas fundamentais no IPM: a não citação da presença no HPS do comandante do Rotam e o horário que consta como sendo o primeiro pedido de socorro feito pelo soldado Jason. “No IPM, consta 2h20, sendo que temos provas de que o horário foi às 2h36. Ou seja, ele quer demonstrar que todos os militares, até os que chegaram depois, participaram da montagem da cena do crime.”

E faz uma pergunta: “Diante de um comunicado de uma guarnição do Rotam de que seus integrantes foram alvos de uma emboscada, que culminou com um dos militares baleados, e ao chegar ao local, deparando com duas pessoas feridas e um militar atingido por um disparo, com dois revólveres próximos aos corpos e peças de fardas, caberia aos militares que foram em apoio, a partir daquele momento, questionar os companheiros sobre a versão que lhes foi apresentada?”

Mendonça ressalta que, além do tenente-coronel Lisboa, oficiais do Centro Integrado de Comunicações Operacionais (Cicop), que concentra as chamadas da PM e do serviço de inteligência da corporação, acompanharam o preenchimento do boletim de ocorrência. “Na doutrina da PM, o oficial que chega ao local do crime, no caso o tenente Clayton Santana, ouve os policiais envolvidos, que têm a presunção da boa-fé. Se houver dúvidas, depois elas serão investigadas”, disse. Para ele, qualquer oficial teria acreditado na versão dos comandados. “Principalmente, se o comandante do batalhão, no caso o tenente-coronel Lisboa, desse a ordem para que o boletim fosse preenchido com tal versão, como ocorreu. O tenente Clayton Santana e o sargento Lemos jamais deixariam de cumprir uma ordem superior”, afirmou Mendonça. Procurado, Ricardo Gil de Oliveira, advogado dos soldados Jason e Jonas, não atendeu o telefone celular e não retornou a ligação, mesmo com a mensagem deixada na caixa postal pelo EM.

Comandante no HPS

O tenente-coronel Alberto Luiz Alves, chefe da Comunicação Social da PM, diz que o IPM foi feito com acompanhamento do Ministério Público e com transparência. “Duas pessoas inocentes morreram. Os indícios mostram que houve participação de militares e 12 foram indiciados. A presença do coronel no pronto-socorro não pode ser considerada, pois foi um fato que não aflorou durante as investigações. Mas os acusados poderão, caso queiram, apresentar esses fatos à Justiça Militar.”

O tenente-coronel Newton Lisboa disse que realmente esteve no HPS, como deveria fazer qualquer comandante que tem um soldado baleado. “Recebi a comunicação e fui ao João XXIII. Lá, constatei que o soldado estava no soro e fora de perigo, como me disse um médico. Fiquei sabendo pelo tenente Clayton Santana dos fatos e acreditei na versão apresentada. Mas nego que tenha dado ordens no sentido de quem preencheria o boletim de ocorrência, bem como que o Santana seria porta-voz”, afirmou.

Conclusões do IPM

III Consta dos autos que em 19 de fevereiro de 2011, por volta de 1h30, a guarnição RO 15.654, composta pelo ex-cabo Fábio e pelos soldados Jason, Jonas e Zuccheratte, decidiu fazer incursão no Aglomerado da Serra

IV O ex-cabo Fábio e os soldados Jason e Jonas iniciaram a incursão pela Rua Mangabeira da Serra, enquanto o soldado Zuccheratte, motorista da guarnição, deslocou-se para outro ponto com a viatura

V Conforme relatório final deste IPM, entre as 2h e as 2h10, os três militares prosseguiram na incursão, por becos, sendo que, ao chegarem à Rua Bandonion, altura do número 727, depararam repentinamente com Renilson Veriano da Silva, ocasião em que, sem motivo aparente, ele foi alvejado e veio a falecer, fato presenciado por testemunha

VI O soldado Jason, ao perceber que a testemunha havia presenciado a ação pela greta do portão de sua residência, na Rua Bandonion, determinou, sob ameaça de morte, que ela entrasse para casa

VII Logo em seguida, Jefferson Coelho da Silva, que subia a Rua Bandonion, um pouco atrás de Renilson, seu tio, tentou interferir em favor da vítima e também foi atingido fatalmente pelo soldado Jason, que desferiu nele um tiro de fuzil, impossibilitando-o de qualquer tipo de defesa, conforme depoimento da testemunha ocular

VIII Ato contínuo, o soldado Jason foi até o local onde Jefferson caiu em decorrência do primeiro disparo e, após ouvi-lo clamar por sua mãe, aproximou-se e, a curta distância, efetuou um novo disparo em Jefferson, que veio a óbito no local, conforme depoimento da testemunha ocular

X Em linha destoante estão as versões apresentadas pelo ex-cabo Fábio e o soldado Jason. Eles afirmaram que, por volta das 2h, teriam sido surpreendidos por disparos de arma de fogo em suas direções, momento em que teriam, em defesa própria, efetuado disparos, versão só não confirmada pelo soldado Jonas, que se resguardou no direito de permanecer em silêncio
XI Como resultado, teria o soldado Jonas sido atingido no colete à prova de balas por um disparo de arma de fogo efetuado pelos pretensos infratores, sendo que dois dos supostos autores, Jefferson e Renilson, também foram atingidos pelos militares

XII Com base nas peças informativas carreadas, demonstrou o encarregado (pelo IPM), numa construção lógica das provas, que o cenário fático apresentado pelos militares não se mostra compatível com a dinâmica real dos fatos

XV Segundo se extrai do conjunto probatório, os militares teriam encontrado na posse dos civis alvejados os materiais relacionados no registro de eventos de defesa social (Reds) nº 2011-1054706, entre eles, dois revólveres calibre 32. Embora não conste no Reds, teriam sido encontradas, também na posse de civis, uma bolsa preta e peças de fardamento da PM, uma delas na cor preta, utilizada pelo Gate

XVI Restou demonstrado que, na tentativa de encobrir sua ação delituosa, o ex-cabo Fábio e os soldados Jonas e Jason simularam uma troca de tiros em que vários agentes, utilizando fardas da PM, teriam atirado na direção dos policiais e atingido o soldado Jonas no colete, no que foi registrado, de forma inverídica, o Reds

XVII Os aludidos militares, auxiliados pela guarnição do terceiro-sargento Lemos, composta pelos soldados Vietro, Haddad e Paulo César, e a guarnição do tenente Santana, integrada pelo soldados Jefferson e Assunção, e os cabos Washington e Sérgio, que compareceram ao local logo após os ofendidos serem alvejados pelos disparos, montaram um local de crime diferente do real, com o objetivo de ofuscar a veracidade dos fatos

Fonte: Cópia do Inquérito Policial Militar (IPM), Jornal Estado de Minas.

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